Um Review e uma Analise.
Review vai conter spoilers, afinal estamos falando de uma pessoa real!
Lançou recentemente na plataforma de streaming Netflix, a série Griselda, estrelada por Sofia Vergara, escrita por Doug Miro and Ingrid Escajeda, baseada na história de vida de Griselda Blanco, a rainha dos cartéis de Medéllin, com base em Miami.
Primeiramente vamos começar com o básico da série, quem maratonou todas as temporadas de Modern Family e está acostumado com Sofia Vergara em papéis de comédia (ela também estrelou Chef, um dos meus filmes de cozinha favorito com Jon Favreau), ver ela em uma personagem tão marcante com um índice de maldade tão grande, é realmente um choque, não é a toda que todas as análises sobre a série tem elogiado tanto a atuação de Sofia, e o que também me levou a assistir a série.
Eu adoro documentários e séries baseadas em pessoas reais, sabemos que tem muita coisa que é fantasiada, em prol do entretenimento e construção de roteiro, então precisei ir atrás de alguns documentários para fazer o comparativo entre o real e ficcional.
A série traz sim um lado humano de Griselda, que de acordo com algumas pesquisas, ela não parecia tão humana assim, uma mãe feroz com certeza, capaz de tudo por seus filhos, mas que não justifica muitas ações do seu passado, que a série acabou omitindo. Não vou dizer que a série me lembrou muito a construção de personagem de Walter White (Breaking Bad, uma das melhores séries de todos os tempos, segundo eu, segundo as críticas), começamos como Griselda, uma mulher vítima do marido traficante de cocaína, que precisou fugir urgentemente após uma virada de chave da vida (que ao longo do episódio descobrimos o que houve), lidamos com uma mulher assustada, levando seus filhos para Miami, e pedindo socorro para uma amiga que também precisou fugir de um marido traficante.
Porém, Griselda não foi só com a roupa e a coragem na cara, ela tinha um plano, e ela era ótima em gerar planos. No começo já vemos que ela possui um plano para traficar do zero em Miami, levando 1kg da droga roubada de seu ex-marido na mala do filho, a princípio, somos levados a acreditar que seria uma venda única, para arcar com os valores da mudança para uma moradia, dado inúmeros imprevistos, e muito previstos, entre esse último, o machismo que enfrentou, não foi tão fácil quanto pensou, o que levou Griselda a atuar no plano B, e o plano B trouxe algo que na série não vimos, mas na vida real sempre esteve presente em seu âmago: a sede de poder.
É essa construção da personagem em seu estado humano e básico, se desmanchando até um ser completamente ausente de bom senso e empatia que me lembrou muito a construção de White, do professor desesperado por dinheiro, ao rei da meta. A série mais uma vez tentou humanizar Griselda ao tentar jogar essa culpa do comportamento e o aumento da paranoia, dado ao uso de drogas que ela passou a consumir com o tempo, claro que crack tem como sintoma a paranoia, mas Griselda já possuía uma cabeça bem psicopata desde a infância, que foi ocultada da série.
A série é ótima, apesar de episódios longos, maratonei em um único dia, conhecia apenas o básico sobre Griselda, basicamente que ela existiu e o que ela fez, nunca me aprofundei a história de vida dela, o que eu acho que deixou a série mais legal, pois fica mais fácil de gerar empatia pela personagem de Sofia Vergara, que apesar de todos os seus defeitos, você ainda fica preso na torcida pelo sucesso dela.
Já o que eu adorei na série, foi o falso senso de sororidade que Griselda gerou com as mulheres que lhe ajudavam a traficar, a princípio vemos Griselda como uma mulher menosprezada pelos homens do ramo, pelo seu ex-marido na Colombia, e pelo conhecimento do que as mulheres, em sua maioria prostitutas, passavam em seu país, ela se vê como uma figura salvadora que vai quebrar os homens e criar o respeito como mulher, perto do episódio 5, vemos essa sororidade cair por terra, pois Griselda só pensava em si e no poder que conseguiu. O mesmo vale para o exército que ela criou para sua proteção, empregando diversos “marielitos”, grupo de homens que fugiam de Cuba e chegavam a barcos lotados na costa de Miami, ela vende a ideia de uma mulher preocupada com o preconceito latino, que precisa unir sua comunidade, mas no fundo, sabe bem que são apenas bucha de canhão. Durante os primeiros episódios o expectador cai mesmo na atuação da personagem e gera a empatia por ela.
Outra personagem que também nos traz uma grande narrativa sobre machismo e mundo corporativo, é a investigadora June Hawkins, interpretada por Juliana Aidén Martinez, que também faz um trabalho excelente, apesar de ter bem menos tempo de tela, vemos uma profissional inteligente, porém menosprezada por ser uma mulher, nunca levada a sério por seus colegas de trabalho. June Hawkins da vida real, na casa dos seus 70 anos, acompanhou a produção e serviu de consultoria para a criação da série.
A série traz muitas referências ao clássico cinema de mafia, temos uma cena onde o casal assiste a Poderoso Chefão, ao qual Griselda nomeia seu filho mais novo como Michael Corleone (sim, é fato), a cena em questão é quando Michael é questionado por sua esposa sobre seus verdadeiros negócios, em seguida vemos um dos filhos questionando a honestidade da mãe, eles sabem da ligação dela com o tráfico, pois passam a atuar com ela, mas tudo fica muito subjetivo em tela. Também os paralelos com Scarface, a obra de Brian de Palma que se passa no mesmo cenário, como corpos sendo desmembrados nos banheiros a mando dos chefões de ambas as obras.
Griselda Real Vs. Griselda Ficcional
Aqui teremos mais spoilers, obviamente, mas acho extremamente necessário falarmos também sobre Griselda Blanco, a pessoa real por trás da novelização.
Já disse anteriormente a respeito de como a série dramatizou de formas shakespeariana, e trouxe uma humanização sobre Griselda Blanco, que não consegui encontrar em nenhum documentário sobre a mulher. Muito se fala sobre homens serial killers, mestres do crime, e suas psicopatias, Griselda entra facilmente entre as pessoas mais assustadoras que o mundo já viu.
A série ocultou totalmente a infância de Griselda Blanco, ao qual todos os documentários e artigos que li sobre ela, foram bem enfáticos sobre sua maldade, quando criança, Griselda sequestou um menino um ano mais novo que ela, filho de uma família rica de Medelín, com o intuito de obter dinheiro do resgate, porém, a família do garoto não acreditou, e Griselda o executou com tiros.
Na série vemos uma mulher desesperada para fugir do marido, ao qual ela matou em um acesso de raiva em um flashback ao qual entendemos que ela era comparsa de Alberto, porém, ainda vítima do mesmo, assim geramos empatia pela mulher preocupada com o futuro dos filhos. Na realidade temos uma mulher fria e dedicada a crescer na sua carreira criminal, Alberto foi o segundo marido de Griselda, ao qual ela também possuiu um relacionamento com o irmão dele, Carlos, transitando entre os dois homens, Griselda foi construindo seu império nas duas cidades, Miami e Medelín. Alberto de fato sofreu um atentado, porém não morreu, como também se tornou um grande parceiro comercial de Griselda, permanecendo “juntos” por muitos anos.
A série também deixou de lado o maior nome do narcotráfico colombiano, ao qual começou como um colega de Griselda e acabou com uma rixa complexa, Pablo Escobar, acredita-se que ocultar Escobar da série, foi uma jogada dos criadores, também envolvido na série Narcos (distribuída também, por Netflix), para evitar os surtos de Crossover, pois ainda é uma obra em paralelo. No começo da série apenas vemos um quote de Escobar dizendo que nunca teve medo de homem nenhum, apenas de uma mulher, e era Griselda Blanco, esse quote foi bem escolhido para demonstrar como a série iria abordar o machismo.
Falando em machismo, June Hawkins, a investigadora que na série era responsável pela busca por Griselda, não teve um papel tão importante na investigação geral, mas a série teve como foco mulheres que foram menosprezadas por homens e tiveram sua volta por cima, portanto, boa escolha narrativa, já o policial responsável pela prisão de Griselda nem chega a ser citado na série.
Assim como sua prisão também não foi tão poética quanto na série, demorando bem mais que longos anos para se concretizar, Griselda foi presa com um dos filhos, outro já havia sido preso, e sua condenação foi bem maior do que consta na série. Além disso, Griselda não abriu mão do poder na cadeia, pelo contrário, seguiu coordenando suas operações e seu império, através de um jovem fã de 22 anos, que se tornou seu namorado-marido, servindo de braço direito, é óbvio que como uma grande criminosa, ela teria uma fanbase dedicada.
Falando em fanbase, aqui preciso ressaltar um fato histórico que a série trouxe em poucos minutos, mas que foi essencial para a condenação de Griselda ser menor, seu melhor assassino, Rivi de fato fez um acordo com a polícia a fim de diminuir sua pena em troca da cabeça de Griselda, porém com um charme de milhões, ele conseguiu se envolver em um escandalo de sex-phone com várias secretárias da promotoria (na série consta só uma, mas foram mais), o que tornou o mesmo uma testemunha inválida. Craque do jogo.
Sobre os filhos de Griselda Blanco foi um pouco mais difícil de formular uma linha do tempo, pois os documentários se divergem em muitas questões, a série novamente apela por um fim trágico e empático para nossa anti-heroína (ou vilã mesmo), sabe-se que na vida real seus filhos foram soltos antes que ela, mas as datas de suas mortes não há evidencias exatas, existem informações que 2 morreram antes, o terceiro perto da morte de Griselda lá em 2012, porém o mais novo, Michael Corleone, que passou por uma disputa de guarda entre Griselda e o pai Dário (nada de tribunal, apenas ameaças de tiroteios), ainda está vivo e chegou a participar de um documentário, o mesmo se diz como um adulto perturbado, depressivo e com muitos problemas de saúde relacionado a infância e juventude perturbadas, até tentou ingressar um tempo na carreira criminal.
Pouco se fala como Dário e Griselda se conheceram e se casaram, a série também acertou muito na fanfic sobre a vida dos dois, pois criou um casal ao qual gostamos a primeira instância e torcemos por eles, mas é fato que Griselda era bissexual, e dava “festas de arromba”, ao qual temos um episódio dedicado a mostrar uma dessas festas, rios de cocaína, pessoas sendo ameaçadas com armas, obrigadas a fazer sexo ao vivaço, inclusive com a anfitriã, e o início do vício no crack.
Se existe um bingo do código penal, Griselda de longe é uma das que mais pontuou, o massacre do shopping mostrado em um dos episódios também ocorreu na vida real, e de tão bem executado, se tornou o Modus Operandi do grupo de Griselda, se hoje temos histórias sobre traficantes fuzilando casas e estabelecimentos, dentro de uma van fortemente armada, e bombas implementadas, que tanto vemos em filmes de ação de Hollywood, agradeça Griselda, pois foi tudo invenção dela, não existiam ataques a céu aberto antes de Griselda.
Claro que a há muito mais na vida da mulher do que eu possa resumir nesses pequenos parágrafos, recomendo fortemente o documentário War On Drugs da NatGeo, que apresenta mais detalhes sobre ela, Escobar, entre outros tráficos e outras origens de diversas drogas nos Estados Unidos, também facilmente no youtube você encontra compilados e documentários de True Crime sobre a pessoa, e trechos de seu filho Michael Corleone.
Então fica aí minha dica de maratona para o Carnaval. E bora dar muito amor pra nossa companheira latina Sophia Vergara, que além de belíssima, entregou tudo e mais um pouco.